Mais do que madrinha… O rock tem mãe. E uma mãe rebelde!

Todo mundo que gosta minimamente de rock já ouviu falar de Chuck Berry, Little Richard e, principalmente, de Elvis Presley – que por questões econômicas e raciais, foi transformado no “rei” do gênero (não estou desmerecendo suas qualidades), numa explícita e notória demonstração de apropriação cultural. Porém, antes mesmo desses consagrados artistas, havia outros que alicerçaram o rock. E não estou me referindo àqueles que ofereceram apenas alguma contribuição para o que viria a se tornar a voz dos jovens na década de 1950, mas a uma figura que foi fundamental para o desenvolvimento do gênero musical que tanto amamos e que, infelizmente, ficou relegada a um espaço que não faz jus à sua importância.

Nascida em Cotton Plant, Arkansas, em 20 de março de 1915, Rosetta (ou Rosa, Rosie Etta ou Rosabell) Nubin começou a cantar e a tocar violão aos seis anos de idade, e apresentava canções gospel na igreja que frequentava. Pouco tempo depois, começou a viajar com a mãe, que também era cantora gospel e tocava bandolim, realizando apresentações pelo Sul dos EUA, até se mudarem para Chicago na metade da década de 1920, onde a pequena Rosetta se estabeleceu como uma pequena musicista prodígio. Na adolescência, teve uma carreira de relativo sucesso e se casou pela primeira vez, aos 19 anos. Na segunda metade da década de 1930, tomou importantes decisões em sua vida. Em 1938, decidiu trilhar novas rotas ao sair do caminho traçado para ela em seu casamento, pela igreja e pelas convenções sociais: separou-se do marido, mudou-se com sua inseparável mãe para Nova York, passou a cantar sobre temas que não envolviam somente religião, inclusive assuntos que eram tabu para a época, e adotou o nome com o qual ficou eternizada: Sister Rosetta Tharpe. E foi na mesma época, talvez alguns anos antes, que começou a tocar um instrumento que ainda era novidade: a guitarra elétrica.

Na década de 1940, Rosetta influenciou muitos músicos de blues e contribuiu para o desenvolvimento do electric blues. Com um estilo único e veloz de tocar guitarra, com uso constante de vibrato, bends e slides (lembre-se que a guitarra elétrica ainda era um instrumento incipiente e sua linguagem ainda estava em desenvolvimento), Rosetta também foi pioneira na utilização da saturação, pois gostava de tocar com o volume do amplificador próximo do máximo, para que a guitarra se destacasse em meio aos demais instrumentos e aos ruídos do público, o que exigia muito das válvulas dos pequenos amplificadores da época e distorcia o som. Toda essa personalidade com a guitarra foi uma enorme influência para toda uma geração de guitarristas, inclusive para os mencionados no início deste texto, e também para uma grande parte dos músicos britânicos da década de 1960, quando ela se apresentou em Birmingham no festival Blues and Gospel Caravan, em 1964, com ninguém menos que Sonny Terry & Brownie McGhee, Otis Spann, Mississippi John Hurt e Muddy Waters!

Provavelmente por ser negra, mulher e bissexual, Sister Rosetta Tharpe foi “cancelada” e não recebeu os devidos créditos para a gênese do rock ‘n’ roll. Mas basta ouvir “Strange Things Happening Every Day”, de 1944, para ver que os elementos do gênero já estavam ali plantados. Se não é a primeira gravação de rock da história, no mínimo é um proto-rock que faz dessa incrível mulher uma das artistas mais emblemáticas da história do gênero, cuja importância supera qualquer cancelamento ou apropriação cultural. Sister Rosetta Tharpe é imortal.

Referências:
SISTER Rosetta Tharpe. Rock & Roll Hall of Fame, Cleveland, 2018. Disponível em: <https://www.rockhall.com/inductees/sister-rosetta-tharpe>. Acesso em: 30 jun. 2023.
THE GODMOTHER of Rock & Roll: Sister Rosetta Tharpe. Direção e Produção: Mick Csaky. Londres: BBC, 2011. Documentário para a TV (60 min.).
WALD, Gayle F. Shout, Sister, Shout!: the untold story of rock-and-roll trailblazer Sister Rosetta Tharpe. Boston: Beacon Press, 2006.

Comentários

  1. Que demais! Tem que ser enaltecida sempre! Isso é uma das coisas que adoro na Internet e na possibilidade de descobrir coisas que não sabíamos (pelo menos eu). Só fui saber sobre Sister Rosetta Tarphe e também Big Mama Thorton à uns 6 anos atrás eu acho. E adorooo ver os vídeos que há no YouTube. E adorei essa imagem do cartaz, adoro esses tipos de cartazes. E que show deve ter sido

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  2. Muito bom!!! Essa história precisa ser sempre contada e recontada! Ela é a pessoa mais injustiçada da música.

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